HOMENS X VIOLÊNCIA

Os homens são as maiores vítimas dos tipos de violência que levam ao óbito.

A pressão cotidiana resultante da exigência do cumprimento de papéis sociais/culturais (provedor/protetor) ao lado do conjunto de referenciais de masculinidade tais como estão ainda hoje definidos em nossa sociedade – como virilidade, conquista e sucesso – causam danos a milhares de homens, haja vista as estatísticas de mortes no trânsito, homicídios, envolvimento com drogas e criminalidade.

Em 1997, na população jovem, para cada mulher de 20 a 29 anos de idade, morreram 15 homens da mesma faixa, por projétil de arma de fogo, e uma mulher para cada cinco homens, em acidentes de trânsito.

A população masculina, além de armas de fogo e acidentes de trânsito, está também exposta a outros fatores de risco, como uso de álcool e de drogas. Menos frequentes, porém importantes, são as causas externas relacionadas à auto-agressão, como suicídio e as tentativas não consumadas. A população masculina jovem (de 20 a 24 anos) é o grupo que se encontra em maior risco para tal violência.

Os homens foram afastados da cultura do autocuidado, seja pelas fantasias de poder e onipotência, seja pelas práticas culturais que relegaram às mulheres a atenção a crianças e idosos. Com isso, os conhecimentos preventivos e curativos herdados e exercitados no cuidado doméstico são de domínio exclusivo das mulheres.

Romper esta cadeia exige uma revisão dos mitos, e sobretudo uma divisão mais igualitária das funções produtivas e reprodutivas em nossa sociedade.

Do ponto de vista masculino, o principal reflexo do enquadramento ao papel de dominação foi a aceitação e submissão a situações que muitas vezes representam pesadas exigências. Numa pesquisa recente com homens de cultura latina, Dr. David Guilmore, antropólogo americano, identificou cinco pontos básicos que definem uma espécie de código de virilidade.

Para ser considerado homem é preciso cumprir certas regras:

1. Ser competitivo – o homem não pode ter medo. Tem que estar preparado para competir e vencer.

2. Ser sexualmente potente – precisa saber conquistar e manter mulheres ao seu lado. Um homem traído ou abandonado por sua mulher vê sua virilidade questionada.

3. Ter autocontrole – não pode mostrar fraqueza ou emotividade.

4. Ser um bom provedor – deve ser capaz de providenciar o sustento de sua família, sendo essa uma de suas principais funções.

5. Fazer-se respeitar pela mulher – não pode ser contestado por uma mulher diante de outros homens porque isso o desmoraliza.

O homem que não consegue satisfazer as expectativas impostas não encontra respaldo para sua masculinidade no imaginário cultural e a sua identidade fica ameaçada.

Um homem não pode mostrar-se fraco e isso não é novidade para ninguém. Se a cultura patriarcal tirou os direitos das mulheres, ela exigiu muito dos homens, mais do que eles conseguem dar.

Os comportamentos violentos dos homens têm sua referência no contexto normativo de construção da masculinidade. Sentimentos pessoais de insegurança e impotência relativos a quaisquer áreas de desempenho podem ser negados e liberados através da violência. O exercício da violência tem como finalidade reequilibrar o sistema psíquico através de uma experiência instantânea de triunfo. Quando o indivíduo não possui autoconfiança suficiente para enfrentar suas necessidades e frustrações adultas procura, através do ato violento, resgatar alguma “dignidade”.

Mesmo de forma fugaz, o agressor tem uma sensação de grandiosidade através da humilhação da sua vítima e da submissão desta. Trata-se de uma forma de demonstração de poder que não encontra, entretanto, qualquer correspondência de alívio interior, tendendo a gerar cada vez um nível maior de irritabilidade, devido à depressão que se segue.

Um importante fator desencadeante dos atos violentos é o abuso de álcool e/ou outras drogas. Na medida em que, pela ação no sistema nervoso central, estas substâncias tendem a inibir a censura, a pessoa passa a assumir condutas socialmente reprováveis. Apesar da carência de pesquisa nesse campo, podemos observar, na clínica e na vida, conflitos e mecanismos de defesa muito semelhantes em homens e mulheres das mais variadas classes sociais. O mito de que a mulher é o único ser prejudicado pela cultura machista deve ser revisto à luz da subjetividade. Caso contrário, esta visão poderá nos conduzir a interpretações unilaterais e simplistas, atribuindo à mulher a condição de única vítima da cultura.

No caso dos homens, eles têm permissão para agir de forma violenta, mas não têm permissão para modificar sua pauta de comportamentos.

Tais fatos nos remetem à rigidez dos papéis, outro princípio normativo da construção de gêneros. Cada vez que “fraquejam” sentem sua condição de homem ameaçada. É claro que isto ajuda a entender, mas não justifica a violência do homem contra a mulher ou filhos. Sabe-se que as pessoas violentas carecem de dois recursos básicos: auto-estima e segurança.

O desejo de dominação que o homem demonstra em relação à mulher, ao contrário de confirmar seu poder, denuncia sua própria insegurança, sua condição de dependente. Questões emocionais, tais como sentimentos de desamparo, abandono, desamor e baixa auto estima não têm sido consideradas para o grupo masculino, pois tende-se a pensar que os homens sentem-se sempre fortes e poderosos.

No entanto, a agressão, às vezes, parece ser para eles a única forma de resolução de conflitos. Em situação de confiança, homens agressores podem se mostrar receptivos para discutir e refletir sobre o assunto. Daí a importância das experiências de trabalho com homens, grupos de reflexão sobre masculinidade e novas formas de expressão do ser homem no mundo atual.

Quando do atendimento a homens agressores, alguns objetivos podem ser buscados:

♦ Auxiliá-los a compreender a gravidade de seu comportamento.

♦ Identificar a existência ou não de violência nas relações afetivas anteriores, bem como na família de origem. Estes aspectos auxiliam a compreensão da natureza do problema e o quanto podem influenciar seu comportamento.

♦ Levá-los a compreender quais situações provocam o comportamento violento.

♦ Avaliar o quanto sentem-se motivados a receber auxílio para modificar este comportamento.

♦ Encorajá-los a responsabilizar-se por seus pensamentos, sentimentos, percepções e comportamentos.

♦ Informá-los sobre as diversas formas de violência e seu impacto na vida das pessoas envolvidas.

♦ Auxiliá-los a desenvolver uma forma mais positiva de pensar e sentir sobre si mesmos, fortalecendo sua auto-estima.

♦ Auxiliá-los a exercitar novas e mais adequadas formas de expressar sua agressividade.

 

Saiba mais em:

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd05_19.pdf